segunda-feira, 6 de junho de 2016

Como a humanidade tenta copiar o Sol para ter energia quase infinita

Ao redor do mundo, diversos projetos exploram a fusão nuclear, o processo pelo qual o astro funde átomos e produz energia abundante

(NASA/Divulgação)
 
Reações de fusão no núcleo do Sol são a origem da maior parte da energia que chega até a Terra
 
 
O Sol é uma das principais fontes de energia limpa com que contamos. Com os combustíveis fósseis cada vez mais escassos, é possível que, em 2050, placas fotovoltaicas estejam em boa parte dos telhados do planeta. Mas e se, ao invés de transformar radiação solar em eletricidade, pudéssemos copiar a forma como o astro gera energia? A humanidade tenta há décadas dominar este processo. Ele se chama fusão nuclear e, para muitos, é o futuro da energia.

A energia por fusão é potencialmente barata, virtualmente inesgotável, suficientemente segura -- porém tremendamente difícil de se concretizar com as tecnologias e materiais de que dispomos atualmente.

No núcleo do Sol, a fusão nuclear ocorre sem parar. Sob pressão e temperaturas altíssimas, a todo momento, pares de átomos de hidrogênio se fundem e dão origem a átomos de hélio. Mas o átomo de hélio é mais leve do que os dois átomos de hidrogênio que o originaram. Durante a fusão, esta massa excedente se transforma em energia. Como são milhões de toneladas de átomos fundidos a cada segundo, a quantidade de energia e calor liberados é tremenda -- não por acaso a Terra, a 150 milhões de quilômetros do Sol, recebe calor suficiente para abrigar vida.

Perseguimos a fusão nuclear não somente porque tem o potencial de produzir muita energia. É que o combustível -- o hidrogênio -- é o elemento mais abundante do universo, o que significa energia praticamente infinita. Para realizar a fusão, utiliza-se um tipo específico de hidrogênio, chamado deutério. Em 4 litros de água do mar, há deutério suficiente para produzir energia equivalente a 1,2 mil litros de gasolina. Estima-se que haja, nos oceanos, deutério suficiente para alimentar a humanidade por 26 bilhões de anos.

O Sol em uma rosquinha

(aglet/Creative Commons)
 
 
Donut energético: JET, do Culham Centre for Fusion Energy (Inglaterra), é o maior tokamak em funcionamento
 
.
Mas então, o que a humanidade está esperando para realizar a fusão nuclear? Estamos tentando, mas há grandes dificuldades em emular o Sol.

-- Para gerar energia por fusão, é preciso alta pressão e temperatura de forma contínua. O Sol mantém esse processo contínuo porque tem muita massa, que gera uma grande força gravitacional, que produz grandes pressões e temperaturas -- explica o coordenador do curso de Engenharia de Energia da Unisinos Fabiano Pedroso. -- Na Terra, é inviável sustentar essas condições, então precisamos de temperaturas muito superiores ao núcleo do Sol, na ordem de milhões de graus Celsius, o que que nenhum material sólido suporta -- conclui.

Como armazenar, em um tanque, um combustível tão quente que derreteria o tanque? Impeça o combustível de tocar nas paredes! Parece loucura, mas foi o que fizeram cientistas soviéticos nos anos 1950. O grupo, liderado por Lev Artsimovich, criou o conceito que, atualmente, é o mais desenvolvido para a construção de um reator de fusão: o tokamak. Imagine um equipamento de metal em forma de rosquinha. No interior da rosca, sem tocar nas paredes, circula combustível a altíssimas temperaturas, em estado de plasma -- o mesmo estado da matéria de que é feito o Sol.

-- Plasma é gás em que as partículas estão ionizadas. Os átomos perderam elétrons e, por conta disso, têm forte resposta a campos magnéticos -- explica Pedroso.

Em torno do tokamak, uma série imãs induzem e controlam um campo magnético. Os imãs conseguem confinar o combustível eletricamente carregado, mantendo-o "flutuando" dentro do equipamento, sem encostar nas paredes. Mas é difícil sustentar o plasma flutuante por muito tempo -- nenhum país conseguiu manter sua estabilidade por mais de alguns minutos.

Um reator, 35 países e US$ 20 bilhões

(Fusion for Energy/Creative Commons)
 
 
Construção do reator do Iter, na França: projeto pode ser primeira prova de viabilidade da fusão como fonte
 
 
Ao redor do mundo, diversos centros de pesquisa vêm realizando pequenos avanços. No início do ano, a China conseguiu manter um reator de fusão em funcionamento por quase dois minutos, contendo plasma a 50 milhões de graus Celsius. Para produzir energia por fusão, no entanto, é preciso mais calor -- e por bem mais tempo.

No sul da França, 35 países colaboram no mais ambicioso -- e caro -- projeto de fusão nuclear em atividade. O Iter (Reator Experimental Termonuclear Internacional) será o maior reator de fusão do mundo, e nasce com o objetivo de atingir temperaturas de 150 milhões de graus Celsius (10 vezes a temperatura do núcleo do Sol) e sustentar o processo por tempo suficiente para que o plasma mantenha-se "queimando".

Seu maior trunfo pode ser o que nenhum reator conseguiu até hoje: produzir mais energia do que o complexo sistema gasta para funcionar. O Iter promete gerar dez vezes mais energia do que consome, embora especialistas como Pedroso recomendem cautela: não é levada em conta a eficiência no aquecimento do plasma e na conversão da energia térmica (o calor produzido pela fusão) em eletricidade. Quer dizer, se tudo der certo, o Iter deve ser um grande passo para a humanidade -- mas não o passo conclusivo. A previsão é de que o projeto fique pronto em 2027, e a expectativa é de que seja uma prova de conceito, uma garantia de que a fusão com fins de geração de eletricidade pode ser viável em algum momento neste século.

-- O físico soviético Lev Artsimovich (conhecido como "pai do tokamak") dizia que a energia de fusão estará pronta quando a sociedade precisar dela. E é mais ou menos verdade. Mesmo os cenários mais pessimistas dizem que quando estivermos realmente precisando (quando fontes fósseis estiverem muito escassas e emitir carbono for muito caro), a fusão deverá estar começando a estar disponível comercialmente -- relata Fabiano Pedroso.

Em uma entrevista por e-mail, o físico britânico Steven Cowley, diretor do Culham Centre for Fusion Energy (Reino Unido) e líder da equipe de pesquisadores britânicos que participa do Iter, é um pouco mais otimista.

-- Se nos esforçarmos, podemos ter eletricidade por fusão em 2050. Claramente, não é fácil, mas a recompensa é tão importante que devemos persistir desenvolvendo -- projeta, ressaltando que, para isso, a humanidade precisa estar disposta a investir mais dinheiro na tecnologia.


ZERO HORA 

Nenhum comentário:

Postar um comentário